Crónica de Alexandre Honrado – Regressar à Ucrânia

Alexandre Honrado

 

Crónica de Alexandre Honrado
Regressar à Ucrânia

 

Estive várias vezes na Ucrânia, em várias e distintas qualidades, até fui um dos autores de uma canção do festival da Eurovisão, peripécia de que hoje guardo uma memória esfumada, como se fosse outro eu a passear-me pela green room de Kiev à espera de votações e atuações. Não é importante este episódio, sendo meu partilho-o, considero importante, isso sim, ter estado várias vezes na Ucrânia, ter-me apaixonado pelo país, emergente das velhas repúblicas socialistas soviéticas, tendo reconhecido nele inúmeras qualidades, a começar pela dinâmica altruísta e contagiante de um povo que depois de dezenas de anos a afirmar-se na sua independência é agora vítima de mais um holocausto, um genocídio, um vergonhoso episódio histórico que envergonha a humanidade.

Com reserva mas sem esquecimento, os ucranianos contavam sempre as memórias do genocídio comandado por Estaline, quando no início dos anos 30, a morte pela fome matou milhões de pessoas.

A história concorda com o relato: a partir de 1931 – com o perfeito conhecimento das autoridades – as crescentes dificuldades alimentares começam a provocar a morte de centenas de milhares de pessoas, em várias regiões da União Soviética. A situação é especialmente grave no Cazaquistão, bem como nas principais áreas cerealíferas – Ucrânia, Cáucaso do Norte e território do rio Volga – onde tinha sido oferecida maior resistência à política de coletivização agrícola. Por conseguinte, a fome desencadeada em 1931 – embora numa escala reduzida, em comparação com os dois anos subsequentes – é na sua origem, o resultado de uma política de inspiração marxista que pretendia eliminar as bases sociais e o modo de funcionamento da economia capitalista.

Este horror passou à história com o nome de Holodomor (em ucraniano: Голодомор), a fome extrema e assassina. Mas os ucranianos também contavam, com a mesma veemência, como no início de 2014, a Crimeia (situada a sul da região ucraniana de Kherson e a oeste da região russa de Cubã) se tornou o foco de uma das piores crises entre a Rússia e países como os EUA e o Reino Unido desde a Guerra Fria, depois do ex-presidente da Ucrânia, o líder pró-russo Viktor Yanukovych, ter sido deposto após uma série de protestos.

Na altura, dizia-se que a debilidade da Rússia conduziria ao reforço da China, e que a anexação da Crimeia servia dois interesses: o fortalecimento da Rússia e o impedimento da aliança da Ucrânia com a União Europeia.

Graças ao Tratado de Partição de 1997, a Rússia tinha começado por enviar milhares de tropas adicionais para as suas bases na Crimeia – partindo depois para a anexação daquele território. O Ocidente, impotente, não reagiu. Como agora, na guerra iniciada em outubro do corrente ano de 2022. Os crimes de guerra continuam e aumentam.

Desde o fim da União Soviética (URSS), em 1991, a aliança militar conhecida pela sigla N.A.T.O. , encabeçada pelos Estados Unidos e  pela Europa incorporou 13 países da região aos seus membros, entre eles as ex-repúblicas soviéticas Estônia, Lituânia e Letónia.

Putin treme de medo. E sabe que as retaliações ocidentais são menores e tardias, incapazes de fazerem frente aos seus excessos. Alicerçado na cobardia que é comum a todos os fracos da história, atacou.

Estamos agora todos envolvidos no conflito.

Não sei quando ou como voltarei à Ucrânia. Sei como bate o meu coração.

 

Alexandre Honrado


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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